segunda-feira, 17 de agosto de 2009


MUITAS VEZES O PARTIDO PARTE AS PESSOAS, SÓ NOS RESTA FAZER UMA RELEITURA DO PASSADO PARA ENTENDER QUEM SOMOS REALMENTE SE INSTRUMENTOS OU INSTRUMENTALIZADOS.

O mito resiste


Por Tatiana Merlino
A rebeldia e postura anárquica de Raul Seixas conquistam cada vez mais seguidores entre as novas e velhas gerações
Noite agradável, bar lotado, jovens conversando animadamente. Ao fundo, um violão: Paralamas, Chico, Caetano. Numa das pausas, ouve-se um grito: “Toca Rauuuul!”. A cena é fi ctícia, mas nem tanto. Pois repete-se incontáveis vezes em festas, shows, baladas e bares do Brasil. Embora seja uma brincadeira (institucionalizada), é um bom
exemplo de como umas das principais características de Raul Seixas é, talvez, a atemporalidade.

Passados 20 anos de sua morte, ele continua sendo uma das principais referências musicais do rock nacional. O artista, que já era um ídolo para as
gerações dos anos 70 e 80, virou um mito inclusive para parte daqueles que sequer haviam nascido quando o compositor levava plateias ao êxtase.
O sucesso de Raul junto às novas gerações pode ser atribuído, em parte, a ausência “de um sentido de vida que vá além dos limites do troglodita capitalista que só quer consumir e se recusa a sentir e a pensar. Por isso, que uma boa parcela da juventude atual volta os seus olhos para os ídolos de um passado que produziu um sentido de vida”, acredita o historiador Luiz Lima, autor de uma tese de doutorado sobre Raul Seixas e a Contracultura dos anos 1960 e 70.
Já para o jornalista e crítico musical Irineu Franco Perpetuo, o fato de Raul continuar sendo um dos grandes mitos da música brasileira “tem menos a ver com a qualidade intrínseca da sua produção musical do que com a persona pública que ele encarnou, que é uma imagem com a qual muita gente ainda se identifica”, acredita. Segundo o crítico, a imagem de “outsider” que Raul soube construir explica a identificação dos que se reconhecem como excluídos com o ídolo.
Mistura cultural
Nascido em Salvador, Bahia, em 1945, Raul foi, desde sua adolescência, influenciado pelo rock estadunidense dos anos 50 e, pela música nordestina – principalmente Luiz Gonzaga –, mistura que pode ser percebida mais tarde em sua obra. A figura de Raul ainda gera controvérsias. Sua classificação varia de visionário, lunático, sonhador, esotérico, e místico, a revolucionário, gênio, profeta e incompreendido. Fato é que a “Sociedade Alternativa” defendida por ele desagradou a ditadura civil militar que o prendeu e o torturou.
A trajetória do Maluco Beleza é marcada por 21 LPs, contratos com as maiores gravadoras do Brasil, cinco mulheres e três filhas. E, sem dúvida, por muita rebeldia. Anarquista, compôs músicas que se tornaram clássicos, como Metamorfose Ambulante, Gita, Mosca na Sopa, Ouro de Tolo, Al Capone, entre muitas outras.
Curiosamente, após a morte tem seu talento mais reconhecido do que nunca, arregimentando mais seguidores, entre as novas e velhas gerações.
Assim, a perenidade da obra do cantor, que conta com um público cativo nas periferias, pode ser explicada por seu comportamento rebelde e por sua pregação anárquica. Na opinião do jornalista e professor da PUC-SP, Silvio Mieli, Raul é anarquista “na exata medida em que detona o bom-senso e o senso comum, fundamentos da ideologia das classes médias burguesas”. Para ele, “seu visual, canto e ritual criavam um diferencial, um distanciamento, uma instabilidade que percorre como uma flecha aqueles que, para usar uma gíria dos tempos do Raulzito, não ‘transam’ bem essa ideia de poder. Acho que os jovens ainda sentem, em sintonia fina, os acordes de anti poder que partem de Raul Seixas”, define.
Grito de revolta
Uma das possíveis leituras do sucesso da obra de Raul nas periferias, acredita Mieli, “talvez seja a de que ela é portadora de um grito de revolta e, ao mesmo tempo, articuladora de uma nova forma de subjetividade. Enfim, ela inspira uma reinvenção do mundo, que é a única saída para quem vive sob opressão e domínio constantes”.
Hoje, o mito tem mais de cem fãs clubes, o principal fundado em 28 de junho (aniversário de Raul) de 1981 por Sylvio Passos, amigo do cantor.
A maior comunidade dedicada a ele no orkut tem 118 mil participantes. Além disso, Raul continua vendendo discos, tocando em rádios, sendo tema de livros, filmes e reunindo milhares de admiradores em shows e comemorações póstumas. “Por ser fácil de guardar, fácil de cantar (e tocar) e ter uma mensagem simples e direta”, a música de Raul se presta muito bem a esse tipo de catarse coletiva – todo mundo cantando junto, meio ébrio”, define o crítico musical Irineu Perpetuo.
Raul era tão polêmico que chego