sábado, 25 de julho de 2009

artigo Tarso Genro

Fala, D’Alema
por Mensagem ao Partido
Por Tarso Genro*


De 1989 a 2008, os neoliberais associaram a direita à “liberdade”, o Estado ao impedimento; agora a esquerda tem que falar


A QUEDA do Muro de Berlim implodiu a arquitetura do marxismo vulgar, que afinal era apenas um “derivativo” de uma sociologia positivista-naturalista. A “crise do subprime” -por outro lado- constrangeu os oráculos neoliberais que juravam desprezo pelas funções públicas do Estado.

O marxismo vulgar foi responsável por uma simplificação impotente das relações entre capitalismo e democracia. O neoliberalismo, porém, identificava no próprio mercado a essência da democracia. Tornado um livro sagrado dos rebeldes da direita intelectual, o neoliberalismo acolheu no seu leito bem-remunerado tanto os profetas das agências de risco como muitos sociólogos pós-modernos missionários da antiesquerda.
O marxismo vulgar professou o “caminho único” da ditadura burocrática como uma espécie de etapa necessária para a superação do capitalismo. O neoliberalismo bastou-se a si mesmo.

Não precisava olhar para o futuro, pois a “sublimação histérica do presente”, sem regulação, já era suficiente para que o mercado nos humanizasse.
Quando o sistema financeiro global derreteu, o ex-presidente do FED, Alan Greenspan, fez a sua autocrítica e classificou os dirigentes corporativos de “enganadores”, pois eles deveriam ter sido mais bem comportados… Outros ficaram tão possessos que chegaram a dizer que o neoliberalismo era uma fraude conceitual. Assim, esconderam a sua paixão pelo mercado e fizeram ataques preventivos à esquerda, antes mesmo que ela falasse.

Depois da queda do muro, choveram artigos de todas as origens ideológicas. A maior parte da esquerda, expondo seus erros, suas misérias teóricas e graves erros históricos. Os vencedores, ali, aproveitaram para forçar a barra do “caminho único” e instalar uma total inversão de valores.

Tiveram amplo acolhimento da maioria dos meios de comunicação, com reflexo nos principais partidos políticos. Era o registro do fim da história como programa máximo. O que resultou de mais positivo neste período -para nós da esquerda- foi a afirmação de um novo republicanismo democrático, comprometido com fortes políticas distributivas, com o liberalismo político e os direitos humanos, desacreditando a conexão entre o socialismo e a ditadura de classe. Tratamos, assim, de reiniciar um projeto utópico, ainda balbuciante, para substituir a visão anterior, baseada numa ideia socialista fechada, optando pelo socialismo como ideia reguladora na democracia pluriclassista.

Entre 1989 e 2008, os neoliberais “lavaram a égua”, como se diz no meu Rio Grande. Conseguiram criar um dicionário dinossáurico: a esquerda como símbolo do atraso, a direita identificada com a “liberdade”; o Estado como sinônimo de impedimento, a iniciativa privada como símbolo da competência; as corporações globais como refúgio da pureza e as empresas estatais como paquidermes inúteis.

O Estado, porém, é o mesmo que agora é chamado para pagar a conta do “risco”, da “imprevisão” e do “mau comportamento”. É o mesmo Estado que atrapalhou o desenvolvimento e o progresso e agora socorre o risco não previsto pelas agências do mesmo nome. O mesmo Estado que, em breve, refeitos os bancos, já passará a ser o mesmo inimigo de antes. Lembro um belo filme de Nanni Moretti ["Aprile"], ele mesmo diretor e ator. Moretti aparece defronte a televisão esforçando-se inutilmente para influenciar D’Alema, que debatia na telinha com Berlusconi. Moretti dizia nervoso: “Parla, D’Alema! Per carità, rispondi”. O querido mestre da centro-esquerda italiana, segundo a visão de Moretti, “non rispondeva”.

Por isso perderia o páreo eleitoral. Estamos aqui numa situação semelhante. No contexto neoliberal, a democracia cumpriu menos do que poderia cumprir, se estivéssemos numa globalização cooperativa. Mas a esquerda tem que falar. Fala, esquerda! Fala fora da ortodoxia pré-Muro! Caiu o Muro de Berlim das agências de risco e nós dissemos muito pouco! Ou só obviedades. Caiu o socialismo burocrático, ruiu a social-democracia, adoeceu o financeirismo neoliberal e nós estamos incrivelmente quietos. Só Lula fala. Sejamos solidários. Falemos junto com Lula.

*Tarso Genro é ministro da Justiça.
*O artigo foi publicado no dia 04/01, na coluna Tendências/Debates, da Folha de São Paulo.

2 comentários em “Fala, D’Alema”

Parabéns Tarso pela cobrança.Os nossos pensadores e teóricos de esquerda precisa sair da inércia intelectual e contrubuir com suas valorozas contribuições para aquecer o debate social na construção de uma sociedade mais justa e solidaria.A atual conjuntura internacional nos da o maior e melhor cenário para afirmamos uma politica econômica e social de esquerda.Parabéns, saiamos da inércia!!!— Flavio Vasconcelos, Nova Iguaçu. 16/01/09, às 9:27

A grande “virtude” do capitalismo neoliberal é na verdade sua capacidade mutante, ele consegue sobreviver crise após crise, primeiro porque seus idealizadores e formuladores, são aqueles que convencionamos chamar de “elites dominantes”, são os donos do capital, dos meios de produção, dos meios de comunicação…enquanto que as grandes massas de trabalhadores, esplorados pelos capitalistas não conseguem sequer entender o que é socialismo. Afinal, o que é socialismo ? É um sistema de governo baseado na solidareidaede, na justiça social, no bem estar coletivo, na distribuição dos recursos produzidos pelo trabalho de forma a beneficiar toda a sociedade ? Seria a globalização cooperativa ? Por que será que os milhões e milhões de miseráveis espalhados pelo Brasil e por todo o mundo não aderem aos propósitos socialistas ? Certamente é porque nas siciedades capitalistas, as pessoas são formadas desde crianças para serem egoistas, individualistas, consumistas, oportunistas e isso é ensinado nas escolas, nas famílias, na televisão. Ora, como concorrer com esse sistema a não ser através da formação, da informação, do debate aberto, do trabalho de base, nos sindicatos, nas associações, nas comunidades, nas periferias. O grande problema é que esse trabalho é muito pouco realizado pelos partidos que se entitulam de esquerda, até nós do PT, na maioria dos agrupamentos internos já abrimos mão do socialismo, provavelmente porque somos frutos dessa sociedade perversa, portadora do virus”istas”, egoistas, oportunistas, individualistas… Precisamos encontrar o antídoto para vacinação em massa contra todas essas variações do “istas” e separarmos a única variação saudável que é o social”istas”.
Saudações petistas,
Fernando Lopes - PT João Pessoa-PB.— Fernando Lopes 7/02/09,